Diretor: Edélcio Vigna.
Elenco: Ana Carolina, Fernando Pessoa, Fernando Sousa e Mary Abrão.

Grupo de Teatro Scrachados

O Grupo Teatro Scrachados (GPS) trabalha o método de atuar focado na pessoa. Herda o despojamento de Grotowski, o distanciamento crítico de Brecht, a violência simbólica de Artaud e não descarta o naturalismo de Stanislavski. Teatro liquidificador. Bem vindo ao nosso mundo.















segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Lila passou pelo Oficina


Chegava cedo. Entrava sempre com o pé direito no Teatro Oficina. Havia somente um camarim. Dividiam todos, mulheres e homens. Trabalhavam em uma companhia de teatro. Contratados por seis meses. Tempo que dura uma temporada.
Em cartaz um texto de valor duvidoso de um escritor baiano baseado na vida de Luz del Fuego. Um texto com muito baseado, muita transgeneralidades e pouco senso de realidade. Trilha sonora repleta de bolerões dos anos cinquenta.
A personagem principal era interpretada por uma conhecida atriz da Globo, que fez muito sucesso nos anos sessenta. Hoje, nove em dez pessoas não se lembram dela. Dez entre dez menores de quarenta anos nunca ouviram falar. Destas atrizes que passam como um carnaval.
O resto era figuração. Escada.
O lugar mais interessante era o porão. Lá estavam esparramados muitos livros como que jogados por ocasião de uma mudança rápida. Havia livros assinados pelo Boal. Levou um para casa.
Ficava no porão até alguém lhe chamar para o ensaio. Evocava os espíritos rebeldes do Oficina. Das peças de resistência dos anos de chumbo. Ouvia as vozes ecoando nas paredes.
Sentada em um tijolo ficava tomada de encanto. Porão mágico! Repleto de fantasmas. Silêncio ruidoso na cabeça juvenil. “Oh, Lila! O diretor tá chamando prô ensaio”. Sacudia-se e subia como quem sobe o santo. Desacraliza-se. Ia atender a um pedido laico. Senil.
Entrava no camarim com o pé direito. Sorriso bobo na face. Sorriso carregado de mistérios que nunca revelaria. Todos se maquiando. Colocando figurinos. Personagens ridículos, sem alma, sem propósito. Resíduos de um tempo de criatividade explosiva.
Maquiava-se de costas para o espelho. Passava a base com as mãos. Detestava a sombra bem posta. Preferia o rimel escorrendo pelo olho. A cara borrada sem rubor. Compunha seu personagem. Dama de cabaré. Decadente.
Refletida nos tijolos nus da parede ouvia conselhos das vozes armazenadas. Ia cumprir um ritual onde explodiria sentimentos contraditórios. Queimaria palavra por palavra. Pavio curto em barril de pólvora.
Ao terminar a sessão, receberia elogios e voltaria ao camarim. Na frente do espelho, vagarosamente, refaria a maquiagem. Desfazendo a personagem. Despindo o figurino lindamente mal acabo. Voltando aquela personalidade pequena que rouba livros do porão e se encanta por paredes que sussurram.
Entrava no restaurante dos artistas vestida de princesa. “Como representou bem”, diziam. Sorria. Representava agora. No Oficina tinha queimado a mais profunda verdade. Desnudava-se de todas as travas e, simplesmente, deixado vir à tona dos sentimentos daquela prostituta da cara borrada e voz rouca.

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