Diretor: Edélcio Vigna.
Elenco: Ana Carolina, Fernando Pessoa, Fernando Sousa e Mary Abrão.

Grupo de Teatro Scrachados

O Grupo Teatro Scrachados (GPS) trabalha o método de atuar focado na pessoa. Herda o despojamento de Grotowski, o distanciamento crítico de Brecht, a violência simbólica de Artaud e não descarta o naturalismo de Stanislavski. Teatro liquidificador. Bem vindo ao nosso mundo.















domingo, 20 de setembro de 2009

O último Sabiá: análise


Este esquete dentre os diversos gêneros teatrais é uma tragédia. A tragédia não se caracteriza pela morte, mas pela superação do destino do personagem trágico. O sacrifício é uma afirmação de vida. Entre os padrões clássicos de ação trágica, este se situa no de destruição e possibilidade de renovação.
A relação entre os personagens, em especial entre o pai e a filha, é culturalmente bruta. Estão no limite da perda da fala. Expressam-se por sons guturais. Provavelmente em um futuro próximo não mais falarão. Perderão definitivamente a capacidade da fala.
O personagem do pai não tem nenhuma herança moral e ética que possa deixar para a filha. Nele não há amanhã. A filha ao não herdar nenhuma esperança se move por um aprendizado niilista. O aprendizado da morte e do roubo de vidas e coisas suplantará qualquer possibilidade de regeneração. Ela deverá seguir o pai até o fim, em uma linha descendente de geração em geração.
O personagem da Sabiá não é louca, nem demente. Ao contrário, é a personagem-esperança. É um personagem utópico, pois trás em si a possibilidade de mudança. Ela acredita no amanhã. Por isso, escreve e acredita que um dia alguém poderá ler o que escreveu. E esse leitor poderá ser alterado pelas palavras escritas a carvão.
Alguns objetos simbólicos do personagem Sabiá: (1) o caderno ao qual se apega como uma fonte de vida. Será o caderno uma espécie de passaporte para os limites que o personagem supera a cada dia no contexto árido e de morte em que vive? Por isso, vale mais que a água e o ouro. (2) O gravador de fita é outro símbolo forte. É uma peça herdada de um pai que a ensinou a ler e escrever. É a voz gravada que faz a última comunicação e encerra o ciclo dos esquetes. A voz paira sobre um corpo caído e morto como uma mensagem perdida no espaço. Tudo morre, menos a possibilidade.
Há um quarto personagem que aparece no início do esquete. É um ser híbrido. É um elo perdido entre o que a humanidade foi e o que era. Não é um demente, nem um macaco, nem um homem-macaco. É um ser que não herdou referências da cultura humana. Ele, como os bichos, luta pelos elementos básicos da vida, mas o instinto de sobrevivência supera os demais.
O esquete tem quatro personagens, mas apenas três poderiam pactuar por um novo mundo. O significado singular de cada um não permite a construção de um futuro novo. A filha, que não tem outra referencia, segue o pai. A Sabiá representa a utopia, a possibilidade do melhor quando tudo se degenera.
Nas condições retratadas pelo esquete não há espaço de diálogo entre o velho e o novo. Por isso, o personagem pai tem de matar a personagem Sabiá. Ela é sua antítese, mas que não se resolverá em uma síntese. Não há espaço em cena para os dois.
No final, após a morte da personagem Sabiá, a filha volta e “rouba” o caderno e, sem perceber, coloca em funcionamento o velho gravador, mas não ouve a mensagem gravada. O “erro trágico” do roubo é o que caracteriza a esquete como uma tragédia, pois abre a possibilidade de renovação.

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